Resumo:
Mesmo com a intensa diversificação da matriz elétrica brasileira, a hidroeletricidade continua sendo a mais expressiva e a base do setor elétrico do país, representando, em 2017, 64% da matriz. Dependente diretamente da disponibilidade de recursos hídricos, a energia proveniente de usinas hidrelétricas sofre impactos diretos relacionados a variações do tempo e clima. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo principal a verificação dos efeitos das mudanças climáticas nas vazões afluentes a usina hidrelétrica de Três Marias e, consequentemente, na sua geração de energia. As análises baseiam-se nas projeções climáticas de um modelo atmosférico regional e na transformação chuva-vazão através da modelagem hidrológica. Utilizou-se projeções de downscaling dinâmico com o modelo atmosférico regional Eta, alimentado pelos modelos globais HadGEM2-ES e MIROC5 (modelos do Quinto Relatório de Avaliação do Intergovermmental Panel on Climate Change – IPCC AR5), com resolução horizontal de 20 km e 38 níveis verticais. As variáveis climáticas projetadas pelo modelo Eta para os três períodos futuros, 2011-2040, 2041-2070 e 2071-2100, nos cenários de emissão RCP4.5 e RCP8.5, alimentaram o modelo hidrológico de grandes bacias MGB-IPH, responsável pela transformação das precipitações em vazões afluentes à bacia de interesse. A partir das vazões afluentes e do balanço hídrico do reservatório foi possível à projeção das tendências de geração de energia para o futuro. Os resultados encontrados apontam para a redução das vazões afluentes a UHE Três Marias, principalmente das vazões de referência Q₉₅% e Q₅₀%, que são de extrema importância não apenas para a geração de energia, mas também para a maioria dos usos múltiplos a que a bacia está sujeita. As Q₉₅% são as mais impactadas para ambos modelos climáticos, sendo a menor redução de aproximadamente 30% e a maior de 87,3%. Já no caso das Q₅₀%, a redução é bem mais acentuada nas simulações realizadas com o modelo Eta-HadGEM2-ES, sendo sua redução mínima (cerca de 50%) próxima da máxima do modelo Eta-MIROC5. Consequentemente, as simulações da potência gerada pela UHE também apresentaram tendências de redução, no entanto, menos expressivas do que as das vazões, já que Três Maria é uma usina de regularização e sua geração não depende apenas das vazões afluentes. As reduções mais amenas de potência gerada média estão entre 7% e 20%, todas elas provenientes do modelo Eta-MIROC5. Já para o Eta-HadGEM2-ES a redução mínima é de cerca de 35%, chegando a quase 65% no pior cenário. Esses resultados vêm reforçar a importância da modelagem hidroclimática no planejamento da operação e expansão de longo prazo do setor elétrico brasileiro, a fim de considerar a não-estacionariedade das séries hidrológicas, devido aos efeitos das mudanças climáticas.